terça-feira, 3 de maio de 2011

CINCO MINUTOS

Esta matéria é relato de um paciente do município de Bnazaê que tem u mesma realidade de todos os outros que "usufruem" do SUS.

"São seis e quarenta e cinco da manhã, chego em frente ao portão do posto de saúde. Estou exatamente quinze minutos adiantado do horário previsto para abertura do local e a fila já está um pouco grande, aí decido não entrar na mesma, pois como já tive oportunidade de observar, esta se divide em dois setores de atendimento, então fico aguardando encostado no muro. As sete e dez, aproximadamente, alguém que trabalha no local vem e abre o portão e a fila se precipita para dentro. Enquanto isso, fico esperando e, somente quando todos já passaram pelo mesmo eu também entro,  percebendo imediatamente que menos da metade do pessoal já está em nova fila em frente à porta fechada, que dá acesso ao setor para o qual me dirijo. Ficamos aí esperando, mais ou menos dez minutos, quando uma funcionária vem abri-la. “Que maravilha!” Todos se dirigem para o balcão, no entanto, a funcionária pede, educadamente, que aguardemos sentados, pois logo irá fazer a confirmação de presença. “Negócio bom, esse SUS!” Depois de uns vinte minutos começo a ficar impaciente. Então tomei  a decisão de pedir informação, ato contínuo, me dirigi ao balcão questionando se não haveria a confirmação de presença. A funcionária me diz que não precisa mais, pois já estivemos no dia vinte e três de abril, quando o ortopedista não compareceu. Retorno ao “meu assento” e, ainda impaciente, continuo esperando. Lá por volta das oito e meia, a recepcionista anuncia que o médico só irá chegar às nove horas, e nesse momento protestamos um pouco, mas não tanto, afinal de contas já estamos acostumados a esperar, e não somente médicos. O meu estômago avisou que ainda não tinha sido saciado e resolvi sair para tomar café, porém, antes das nove horas já estava de volta.
“Não podia perder uma oportunidade dessas”, que esperava há mais de três meses. Exatamente às nove horas e trinta e cinco minutos, pára um carro modelo de luxo em frente ao portão. Velhos freqüentadores do local anunciam que é o “bendito médico”, entretanto, ninguém desce do mesmo. “A tecnologia está tão avançada assim neste país?” Carros já andam sozinhos? “Brincadeira, para aliviar a tensão!” A essa altura, a nossa paciência já tinha se esgotado completamente e, como forma de desabafo, tecíamos vários comentários contra os médicos, e alguns mais eufóricos, contra o governo. As dez e vinte abre a porta do “tecnológico” e o “Senhor ortopedista” desce muito tranqüilo, passa e olha para a recepcionista cumprimentando-a e segue  pelo corredor, como se não tivesse mais ninguém naquele recinto. Neste momento, estamos preocupados se haverá tempo suficiente para sermos atendidos antes do último transporte do dia para o município onde residimos, no meu caso, às onze horas. Ninguém quer mais ficar sentado. “É conforto demais”. Após uns quatro ou cinco minutos, a recepcionista começa a fazer a chamada entregando  o fichário e a senha. “Ôba, sou o número cinco”, e saio quase correndo pelo corredor.  Se não fosse o problema no pé e no joelho! Na porta do consultório fico me perguntando, “será que vai dá tempo?” Acho que vou perder o carro! Nesse momento notei que o de número um já estava saindo da sala do consultório, então ouvi comentários. “Esse médico é muito bom, atende a gente rapidinho!” Ansioso, olho para o relógio do vizinho a todo instante e, quando este marcava dez e quarenta chegou minha vez. Entro na sala e cumprimento o médico com um “Bom dia, doutor”! E ele me respondeu gesticulando com a cabeça, enquanto digitava um número no seu moderníssimo celular. Vou logo sentando e dizendo: “Olha doutor, aqui está o raio x que o senhor me pediu, lembra? Foi no mês de janeiro que eu estive aqui, mas não fiz a ultra-sonografia do calcanhar doutor! Não tem pelo SUS e eu não tenho dinheiro para pagar noventa e cinco reais no particular!” E o doutor: “Alô, onde você está? Eu estou aqui no posto, só saio lá pra uma e meia. Preciso te vê! Pode ser depois que eu sair daqui? Não, agora eu não posso bem, estou ocupado. Então depois a gente se fala, tchau”. Pega o raio x e o fichário, enquanto digita outro número no celular, porém, não o tira de cima da mesa. “Deve ser o tal de torpedo que os adolescentes tanto falam”. Olha pra mim e pede que eu tire o tênis, quer verificar a situação do meu pé. Descalço o pé, mas deixo propositalmente a meia, ele não se incomoda e, sem tocá-lo pergunta onde é o problema e eu, prontamente mostro dizendo que dói muito quando chega o “tempo frio”. Em seguida, mostro meu joelho. “Olha doutor, como está, não sei o que aconteceu, pois não tenho praticado esporte desde o mês de dezembro. É verdade que ele já torceu algumas vezes, mas isso já faz mais de dez anos! Agora ele começou a inchar e tá doendo muito. Ele observa há mais ou menos um metro de distância e, depois me diz que tanto o problema do joelho quanto do calcanhar é o mesmo: inflamação do tendão, e que precisa da ultra-sonografia para entender melhor o que está acontecendo com meu calcanhar. Em seguida prescreve uma receita pedindo um raio x do joelho e alguns remédios. Saio do consultório, e olhando para o mesmo relógio do meu “antigo vizinho” observo que haviam se passado cinco minutos. Aliviado, dou “graças a Deus”, porque não vou perder o transporte do dia e ainda me sobram alguns minutos para ir a farmácia comprar os remédios que o “Senhor doutor” me passou, afinal de contas, prá que servem os médicos?
Após alguns dias, de muita insônia e outras reações adversas provocadas pelos remédios, concluo: “Médicos são burgueses. Burgueses só gostam de burgueses, assim como leões só gostam de leões”.
O SUS foi criado para consolo dos pobres, porém, não existem médicos filhos de pobres.
Este livreto retrata um fato ocorrido com o seu autor, no dia cinco de maio de dois mil e oito, no posto de atendimento do Hospital  Regional Santa Tereza, em Ribeira do Pombal Bahia, mas poderia ser com qualquer um, em qualquer parte deste País, que necessite de atendimento público."

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